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Foto do escritorFernando Godoy

CRÔNICAS DE UM ROQUEIRO MOFADO

Atualizado: 11 de jan. de 2023




Escrever sobre o passado soa invariavelmente nostálgico, muitas vezes exageradamente dimensionado para o lado positivo, todavia me permito falar sobre o mesmo com o cuidado e permissão daqueles que possam e queiram ler. Refiro-me ao tempo de adolescência (os já tão distantes anos 80), onde nutria um hábito bastante barulhento, consistente em escutar o bom e insuperável rock n’roll, aliás, hábito, diga-se de passagem, apreciado até hoje.

Antes de qualquer outra coisa convém registrar aqui que não possuo elementos técnicos pra avaliar trabalhos de músicos, mas tão-só emito opinião pessoal acerca do disco que julgo marcante sob a ótica e impacto causado no momento em que escutei, portanto antes de ser um álbum primoroso do ponto de vista musical ele merece menção pelo simples fato de ter sido marcante para mim, por favor desculpe-me se enalteço qualidades inexistentes ou omito as existentes, até porque ele está maquiado pelo tempo e sobretudo pela visão de um adolescente impressionado com a descoberta deste fascinante mundo do rock e todos os seus estereótipos.

Naquela época (83, 84), existiam duas lojas do gênero do velho Elvis, Eletrodisco e Musk disco (melhor que nos dias de hoje que sequer possuímos lojas de discos), ambas situadas na mesmíssima rua no centro da cidade. A grande vantagem é que pesquisa de preço não causava muito esforço e nem tampouco se perdia tempo.

Viver de mesada surrada era posição que não permitia exageros consumistas. Portanto, cabia economizar em todas as áreas: alimentação (cantina), pequenas compras (roupa, cortar cabelo, passagem etc.), nada disso importava, afinal para que roupa e lanche, sempre se tinha possibilidade de filar dos colegas (hábito bastante corriqueiro nos meios colegiais); roupa qualquer uma tava de bom tamanho e porque cortar cabelo todo mês?

Toda e qualquer compra era precedida de uma exaustiva análise nas referidas lojas e seus acervos e não era para menos, pois você tinha infinitas opções e pouquíssimas condições para adquirir o produto sonhado, ambicionado e muitas e não raras vezes idolatrado. Hoje na era da internet onde se baixa qualquer coisa a qualquer hora, parece que falo de algo primitivo, mas definitivamente a emoção de estar diante de um álbum da banda preferida é indescritível, sem tê-lo visto ou escutado em lugar algum é excitante e surpreendente.

O sonho de consumo a que me refiro era o disco de vinil (os mais novos vão estranhar) de uma trupe da Austrália, mas que na verdade tinha seus membros nascidos na Escócia, liderada por um baixinho que tocava guitarra sem parar, pulando e andando à La Chuck Berry, simplesmente incansável nas suas peripécias; tirando um som bastante peculiar com solos desconcertantes e riffs cortantes e pesados; e se não bastasse só se apresentava usando roupa colegial de sua época: boné, paletó, gravata e calças curtas, este era seu fetiche; se o Lynch e o Bergman tinham Laura Dern e Liv Ulman, respectivamente, como suas marcas registradas, a do Angus era a indumentária colegial. A bolacha era o disco ao vivo do AC/DC, intitulado “If you want a blood you’ve got it”; este disco abria com a música Riff Raff, simplesmente maravilhosa com um início de guitarras marcante, dos irmãos Young: Angus e Malcom, este último um esforçado e competente guitarrista base da banda.

Mas antes da abertura tinha a capa, na minha opinião uma das mais legais que já vi no mundo do rock, haja vista que na frente você tinha Angus sendo perfurado no estômago por uma guitarra, ao lado do irascível vocalista Bon Scott (primeiro cantor do AC/DC, pelo menos a gravar disco), perdoem-me os demais mas este é divino com sua voz rasgada e insuperável, uma espécie de trilha sonora perfeita para o som do ACDC; a contra-capa tinha o mesmo Angus deitado sobre o chão com a parte das costas à mostra e um pedaço do braço da guitarra, diante de uma bateria reluzente à espreita.

Bom, é difícil expressar a sensação de um garoto de 11 ou 12 anos frente aquele turbilhão de transgressões, era profano e excitante ao mesmo tempo. Imagine o simbolismo daquela capa e seu conteúdo de puro hard rock, pulsante e enérgico; minha mãe dizia que era coisa de doido, do demo!! Mais rock’n roll impossível.

O ritual de sair de casa para comprar o disco na Musk disco permanece vivo em minha memória; lembro até do preço Cr$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos cruzeiros), não me pergunte que diabo de preço é este, mas já existiu esta moeda, que de vez em quando eram cortados alguns zeros em razão da famigerada inflação.

Voltando ao ritual de aquisição do instrumento de prazer e cobiça, nada pode descrever com exatidão o que se passa na cabeça de um adolescente escutar aquele disco pesado, grudento e diferente de tudo do que até então eu já havia ouvido (os mais pesados tinham sido dois discos do Queen, o Greatest Hits e Hot Space);

Fui escutando uma a uma, tinha até comprado uma agulha novinha para não correr o risco de algum imprevisto; a cada música um prazer crescente: Riff Raff, Hell Ain’t a Bad Place to be, Bad Boy Boogie, The Jack, Problem Child, mas... o melhor estava por vir: Whole Lotta Rosie, esta música praticamente mudou minha vida, pelo menos em relação ao gosto musical; tinha um riff: taranranranranran... tsss, tsss, tarantarantaran ,impossível passar incólume a esta explosão de emoção, energia e voracidade disparadas na agulha, causando em mim uma empatia imediata; ainda hoje escuto e sinto um arrepio como se fosse a primeira vez, considero esta banda e em especial esta música como precursoras definitivas na minha predileção musical.

O disco ainda possuía no seu set list: Let there be Rock e High Voltage, só para citar as melhores. As letras falam sobre sexo, bebedeiras, mulheres e rock, Whole lotta Rosie, fala especificamente sobre uma prostituta gorda chamada Rosie, hoje nos shows atuais eles disparam uma gigantesca Rosie inflável; mas simples e direto impossível. Na minha modesta visão é um dos melhores álbuns ao vivo de rock. Será que é realmente exagero ou conversa de quem está envelhecendo ao dizer que não se faz mais discos como antigamente? Ou talvez seja um famoso clichê que devemos passar adiante aos mais novos. Nada como um rock simples e direto dos anos 70 para soar moderno e atual; aliás, como coisa antiga de boa qualidade permanece indelével com o passar do tempo.


Godoy Young



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Cedryck Farias
Cedryck Farias
Aug 30, 2021

A loja que eu costumava a frequentar era a Eletrodisco. Passava horas garimpando os discos

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